segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Jihad e cruzada: Guerras santas assimétricas

Jihad e cruzada: Guerras santas assimétricas

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Entrevista com Marco Meschini, historiador medievalista


MILÃO, quarta-feira, 13 de junho de 2007 (ZENIT.org).- Não se pode confundir «jihad» com cruzada. São guerras «santas», mas não são a mesma coisa. Quem explica isso é o historiador Marco Meschini, em seu novo livro em italiano, publicado após o famoso discurso de Bento XVI em Ratisbona, «A jihad e a cruzada» («Il yihad e la crociata», Ed. Ares).

Marco Meschini é historiador medievalista e professor da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão. Nesta entrevista concedida a Zenit, esclarece conceitos fundamentais para compreender a diferença entre «jihad» e «cruzada»: enquanto a «jihad» é essencial para o Islã, a cruzada não o é para o cristianismo.

--Em que sentido a «jihad» e a cruzada são «guerras santas»?

--Meschini: Por «guerra santa» entendemos uma guerra com dois elementos característicos: para quem adere a ela, é uma guerra dirigida por Deus por seus legítimos representantes; em segundo lugar, participar dela abre as portas do Paraíso.

No caso da «jihad» se deve recordar uma passagem do alcorão fundamental: «Combatei contra aqueles que, tendo recebido a Escritura, não crêem em Alá nem no último Dia, nem proíbem o que Alá e Seu Enviado proibiram, nem praticam a religião verdadeira, até que, humilhados, paguem o tributo diretamente!» (9, 29). É Alá quem quer a «jihad», Alá é santo, portanto a «jihad» é santa, uma guerra santa.

Pelo que se refere ao segundo aspecto -- a entrada no Paraíso --, é preciso recordar um «hadit» (um pensamento de Maomé com valor normativo): «Sabei que o Paraíso está à sombra das espadas».

Também, o «mujahid», o «combatente da jihad», em caso de morte é considerado um «mártir», «shahid», «testemunha», o mesmo sentido literal da palavra grega «martyr», «mártir». É considerado tão santo que seu corpo não deve ser lavado antes da cremação, como prescreveria a lei islâmica, e pode inclusive transpassar parte da própria santidade aos parentes.

--Você, contudo, considera que «cruzada» e «jihad» são «assimétricas». O que as distingue?

--Meschini: Também a cruzada -- para os cristãos da Idade Média -- era querida por Deus, no sentido de que os Papas a pregaram, ligando-a à remissão das penas e os pecados cometidos pelos participantes. E o grito de batalha dos cruzados era: «Deus o quer!».

Uma primeira assimetria é justamente esta: a «jihad» abre diretamente as portas do Paraíso, a cruzada não, porque se entende como parte do processo que pode conduzir ao homem pecador ao Paraíso.

Mas há, contudo, outras assimetrias maiores.

Sobretudo, a «jihad» é tanto defensiva como agressiva, ou seja, instrumento de difusão da religião islâmica que -- recordemos -- significa «submissão» a Alá.

A cruzada, ao contrário, nasceu só depois de mais de um milênio de cristianismo e com um objetivo limitado: recuperar Jerusalém e a Terra Santa, injustamente ocupadas pelos muçulmanos.

Mas é preciso acrescentar que, no curso de uma história plurissecular, houve também cruzadas de expansão, ainda que sem que a idéia original se perdesse completamente.

--Você também considera que a «jihad» é co-essencial ao Islã, e afirma que a «cruzada» não é para o cristianismo.

--Meschini É a assimetria mais radical. Como disse, a guerra santa é uma prescrição corânica -- e o Alcorão é a Palavra de Alá, eterna e imutável -- praticada por Maomé e dotada de toda uma série de regras acessórias.

Ainda hoje, para todos os islâmicos, a «jihad» é o «sexto pilar» do Islã, ou seja, um dos preceitos que constituem a identidade de sua religião.

Vice-versa, não existe nenhum texto sagrado cristão que fale de uma guerra semelhante, nem o modelo, que é Cristo, a prevê, ao contrário! Por isso, a cruzada, certamente surgida em um contexto cristão, não precisa se repetir em outros contextos cristãos; nem tem a ver com o «kerigma», «o núcleo» da revelação cristã.

--Falar de «jihad» e cruzadas hoje não implica o risco de tornar mais difícil o diálogo entre cristianismo e islã?

--Meschini: Qual é o objetivo do diálogo? Eu penso que é conhecer-se melhor e, se é possível, chegar a um nível superior de verdade. Portanto, a verdade, ou ao menos a honestidade intelectual, é uma premissa, ou melhor, uma condição irrenunciável do diálogo.

Por isso, eu quis desmascarar alguns comentaristas que, após contorções verbais, tentam camuflar a verdade histórica, jurídica e teológica ligada ao tema da «jihad».

--O que queria dizer o Papa em Ratisbona quando falou do discurso de Manuel II Paleólogo sobre estes temas?

--Meschini: Bento XVI foi muito claro: a fé e a verdade podem ser propostas e difundidas só de intelecto a intelecto e de coração a coração, em um mútuo intercâmbio de razão e credo.

E, portanto, expandir a própria religião «com a espada» é uma monstruosidade antitética ao «Logos», à Razão, ou seja, a Deus. E a violenta reação de tantos às suas palavras foi -- dramaticamente -- uma involuntária, mas «perfeita» resposta de confirmação a seu discurso.